O fenômeno da desindustrialização, um processo que se arrasta há décadas no Brasil, continua acarretando a queda do ciclo produtivo, a competitividade e a geração de riqueza no país.

Marcus Frediani

O processo de desindustrialização vem se acentuando especialmente desde os anos 1980, revertendo uma tendência manifestada entre os anos 1950 e 1970, quando a indústria de transformação no país chegou a apresentar índice aproximado de 20% referente à participação da indústria no PIB, que, segundo os dados atualizados para 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), despencou para ínfimos 11% naquele ano.

Hoje, embora floreados por boas expectativas de elevação dessa cifra, como aqueles que giram em torno do alardeado Programa “Nova Indústria Brasil” – recentemente lançado pelo Governo Federal, com a previsão de injeção de R$ 300 milhões no setor, para o financiamento dele até 2026 –, muito pouco (ou nada) parece, efetivamente, ter mudado para a reversão desse cenário, que vem sendo constantemente agravado pela entrada dos produtos importados no país, em especial aqueles que chegam atrelados ao desenvolvimento industrial da China, como é o caso do aço.

Ato contínuo, além o setor de siderurgia nacional estar sofrendo absurdamente com esses impactos devido às conhecidas assimetrias competitivas e ao aparente descaso das autoridades no sentido de equacioná-las de maneira incisiva, todos os segmentos-clientes do setor compartilham esses reveses.

Com efeito, um dos setores mais fortemente abalados pelos problemas relatados no ano de 2023 foi aquele representado pelo Sindicato Nacional da Indústria de Trefilação e Laminação de Metais Ferrosos e pela Associação Brasileira de Indústria Processadora de Aço (Sicetel/Abimetal). Segundo Ricardo Martins, presidente de ambas as entidade, o ano foi dos piores, marcado pela formação de um clima de “tempestade perfeita”, no qual se observou a perversa combinação entre quedas brutais de produção, de preços e demanda, associada à invasão de produtos importados. Resultado: o faturamento do setor despencou a níveis abissais.

E como cenários tempestuosos geralmente derivam para o chamado “efeito cascata”, muitas implicações preocupantes podem advir desse cenário, notadamente para as empresas processadoras de aço. E uma delas, segundo Ricardo, reside na dificuldade prática, por exemplo, de se replicar no setor que representa a tentativa do Instituto Aço Brasil de criar simetrias competitivas para os produtos nacionais, a partir de uma possível intervenção junto ao governo para formular tarifas mais robustas para a importação de itens similares. “Basicamente, trata-se de uma questão numérica. O Aço Brasil está pleiteando um aumento da alíquota para 18 NCMs, enquanto, para criar o mesmo benefício para os processadores de aço, estaríamos falando de 112 diferentes produtos. Daí, já fica clara a primeira dificuldade de se fazer isso”, pontua.

Outra questão levantada pelo presidente do Sicetel/Abimetal diz respeito aos desvios de utilização para outros produtos que, eventualmente, não tivessem sua alíquota majorada, caso houvesse tal possibilidade. Para ilustrar, falando de longos, ele dá o exemplo do fio máquina: “Eu aprovo e apoio a solicitação de aumento de alíquota. Mas, como, no Brasil, sempre que uma porta se fecha, outra se abre, a opção natural dos clientes seria comprar o arame pronto, uma vez que o produto importado não está incluído no pleito da tal alíquota dos 25%, o que pioraria ainda mais a situação. A solução ideal, então, seria aumentar essa taxa para todos os itens, só que o governo não vai fazer isso nunca, até porque ele teme a retaliação mais do que certa de países como a China. E, nessa história, outra constatação acachapante é que a invasão dos produtos siderúrgicos importados já está representando algo em torno de US$ 1,4 bilhão/ano, muito próximo do montante de US$ 1,3 bilhão/ano que vem sendo também importado pelos associados do Sicetel/Abimetal. Então, abrir essas ‘brechas’ seria muito perigoso”, acrescenta,

Paralelamente, em face à queda brutal de demanda interna, com a história de juros altos e da freada do consumo de produtos mais duráveis – como já foi dito, associada à queda de preços nos últimos anos – todos os segmentos atendidos por ambas as entidades também foram afetados, como é o caso dos clientes da indústria automobilística, de eletrodomésticos e a de móveis.

NOVA INDÚSTRIA BRASIL: O IGUAL SENDO FEITO DE FORMA DIFERENTE?
Assim, acredita Ricardo Martins, a tendência é de, umbilicalmente ligada ao processo de desindustrialização constante que se observa há muitos anos no Brasil, venha a ter, infelizmente, continuidade em 2024. E ele afirma que o setor de processamento de aço vem sentindo isso “na veia”, uma vez que são recorrentes as notícias de que várias empresas associadas ao Sicetel e à Abimetal já dão sinais eloquentes disso, com a redução de suas jornadas de trabalho.

E para descrever com cores mais fortes aquilo que está acontecendo, Ricardo cita o fato de que o Brasil também está sendo “invadido” por levas cada vez maiores de aço embarcado. Ou seja, muitas empresas já não estão trazendo peças para fabricar seus produtos por aqui, optando por trazê-los já prontos de fora para o mercado. “Liquidificadores, batedeiras e ventiladores, por exemplo, já passam a não necessitar da nossa produção interna para serem vendidos. E aí nos damos conta de que não dá para reverter esse processo, porque teríamos que colocar imposto ou barreiras protecionistas de importação para trazer um liquidificador ou qualquer outra coisa, o que não seria possível. E caso fosse, isso criaria um imbróglio tremendo, até porque, aqui no Brasil, temos essa mania de querer ser ‘exemplo para o mundo’, rejeitando a adoção de medidas protecionistas, ao passo que a China, a Alemanha e os Estados Unidos fazem isso sem pestanejar”, deixa claro.

E para dar solução a isso, Ricardo Martins demonstra certo ceticismo quanto ao sucesso do recentemente lançado programa “Nova Indústria Brasil”, que, em sua visão, não é muito diferente daquilo que se tentou fazer no governo Dilma. “Sim, temos que apoiá-lo. Mas nada garante que os recursos dele serão aplicados corretamente. Então, o que nós temos que fazer é cobrar para melhorar esse cenário. E, no plano geral, não faz sentido também, de um lado, criar um programa para injetar recursos de R$ 300 milhões na indústria se, paralelamente, está em curso no Ministério da Fazenda de se cobrar retroativamente, e de uma vez só, cerca de R$ 43 milhões em impostos federais que as empresas deixaram de pagar, por conta do incentivo fiscal que ela tem nos estados”, expõe.

Assim, segundo o presidente do Sicetel/Abimetal, o que poderia ajudar o Brasil a travar o processo de desindustrialização e desnacionalização que vivemos atualmente, seria um só: gerar aumento de demanda, aliado à possibilidade concreta de a indústria voltar a fazer investimentos, que precisa fazer parte da pauta de cobranças que a indústria tem que fazer ao governo.

“Mas aí, temos que enfrentar outro problema, que é a falta generalizada de materiais, algo que se acentuou nos tempos da pandemia, quando, na prática, ensinamos o pessoal a importar. Isso fica claro com o caso do aço, aumentando 120%, e com dificuldades de abastecimento interno, por conta das paralisações dos altos-fornos e outros problemas. Qual foi a alternativa? Ora, vamos importar da China, que é menos complicações. E, com isso, o que estamos fazendo é apenas fomentar o desenvolvimento e melhorar a empregabilidade dos chineses. Só isso”, finaliza.

OBS.: Os números apresentados nos gráficos acima (e nas págs. 46 e 47 do anuário), relativos ao ano de 2023, não dizem respeito a valores em Reais ou à tonelagem, e, sim, ao número de empresas que relataram a queda no volume de vendas e das quantidades vendidas: 68,2% relataram queda nas vendas; e 63,6% relataram queda nos volumes vendidos.”